Por Andréia Martins
Mayara de Araújo autora do livro Histórias de Beco
A barreira entre a produção acadêmica e a narrativa literária sempre foi grande. O primeiro a desafiar o “tradicionalismo” e a formalidade exigidos nos trabalhos acadêmicos foi o escritor Esdras do Nascimento, que, nos anos 70, defendeu aquele que é conhecido como o primeiro romance-tese da literatura brasileira, o livro Variante Gotemburgo, sobre como construir um romance.
De lá para cá, o caminho aberto por Nascimento vem ganhando cada vez mais adeptos, tendo como base os trabalhos de graduação, dissertações de mestrado e até teses de doutorado.
Tatiana Salem Levy seguiu esse caminho para estrear como escritora. A partir da tese de doutorado em Estudos de Literatura na UFRJ, ela lançou, em 2007, o livro
A Chave de Casa (Record), que lhe rendeu, um ano depois, o prêmio São Paulo de Literatura, na categoria autor estreante.
A ideia do romance surgiu com as histórias que Tatiana ouvia da família, como a de um tio-avô que foi expulso da Turquia e foi para Portugal levando a chave de casa que tinha passado de geração em geração. Em entrevistas, Tatiana destacou o lado positivo de a universidade estar mais aberta ao experimentalismo.
No caso de Julián Fuks, jornalista formado pela USP, transformar trabalho acadêmico em uma obra de ficção foi um verdadeiro dilema. Seu livro,
Histórias de Literatura e Cegueira (Record), narra em crônicas o final da vida de três escritores clássicos que perderam a visão: Jorge Luis Borges, João Cabral de Melo Neto e James Joyce.
Na hora de propor o projeto, como estava muito dividido entre a literatura e o jornalismo, Fuks pensou em um tema e um formato que pudessem unir ambos. Difícil foi convencer um orientador da ideia.
“Essa foi a grande batalha do trabalho. Embora haja uma liberdade na linguagem no jornalismo, acabei rompendo com o primeiro orientador, pois ele achava que o livro deveria ser uma análise da obra dos três autores, e minha proposta era criar uma narrativa, misturando meus textos com o dos autores”, diz Fuks.
O trabalho foi feito quase que inteiramente só por ele, até que, um mês antes de defender o trabalho, conseguiu um orientador. Era 2004, três anos depois ele veria o livro na prateleira, colecionando boas críticas e chegando a finalista do prêmio Jabuti. Em 2007, mostrou o livro para Luciana Villas-Boas [diretora editorial da Record] e conseguiu publicá-lo.
Agora, curiosamente, Fuks prepara um novo livro que foi produzido paralelamente à sua tese de doutorado, que tem como tema a impossibilidade da narrativa e a morte do romance. “Dificilmente vou conseguir separar as duas coisas [a literatura dos trabalhos acadêmicos]”, diz ele rindo.
Escritora Adriana Lisboa
A dobradinha tese-ficção também já rendeu dois livros para Adriana Lisboa. A escritora transformou tanto a sua dissertação de mestrado quanto a sua tese de doutorado, ambas defendidas na UERJ, em livros. A primeira serviu de material para o livro
Um Beijo de Colombina (Rocco), e a segunda rendeu
Rakushisha (Rocco).
Entre os mais recentes lançamentos que saíram das faculdades está o livro Histórias de Beco: quando a poeira assenta, entrevemos rostos, punhos e corações (Expressão), da jornalista e escritora Mayara de Araújo.
O personagem central é o centro comercial de vendas ambulante em Fortaleza, mais conhecido como Beco da Poeira. O livro foi resultado do trabalho de graduação de Mayara pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em 2009, e premiado pela Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação como o melhor livro-reportagem de 2010.
“Pude fazer um livro já pronto para publicação, com liberdade”, conta Mayara, que já tinha um tema definido quando começou a ouvir notícias de que o Beco mudaria de lugar. “Pensei: quem vai contar essa história? Foi quando mudei de tema e decidi fazer o livro”.
Misturando contos, crônicas e entrevistas, as histórias de beco narradas pela jornalista contam a história do local e dos protagonistas, acompanhadas de 30 ilustrações. Curiosamente, o livro sobre o antigo Beco teve boas vendas no novo Beco.
“Quis usar diferentes linguagens do jornalismo nesse trabalho. Acho que, acima de tudo, é um trabalho de memória”, completa a jornalista. Depois do prêmio e do reconhecimento na região, o próximo passo de Mayara é tentar fazer com que o livro chegue a outras prateleiras do Brasil.